De volta dos Estados Unidos, minha filha traz na bolsa uma Vogue americana para sua material mom. Ela sabe da minha paixão por moda, e me ensinou a não sentir culpa por amar o belo. Afinal, há alguns anos, diante da vitrine da Prada, na elegante Galeria Vittorio Emanuele, em Milão, admirando o azul indescritível dos sapatos e bolsas expostos, ela me lembrou da fala de um famoso filme: a escolha desse tom que vestirá milhões de pessoas em todo o mundo, garantirá emprego para muitas outras nos próximos meses, e não só entre os abastados.

Pois bem. Vivencio então a experiência de folhear uma revista que não tem problema com anunciantes. O perfume que exala de cada página é um convite para viajar entre os sapatos, bolsas, sedas e o linho que se usará na primavera de cores básicas. Você deve estar se perguntando: “O que isso tem a ver com medicina e saúde?”. É que modelos também podem ter surpresas nesse aspecto da vida. E nada como lembrar que elas não são deusas do Olimpo, inatingíveis no alto de suas plataformas de grife.

Leio com atenção a história de Nancy Jarecki, uma linda mulher que foi acometida por um aneurisma. Ela estava num evento no Museu de Arte Moderna de Nova York. O relato descreve todo o percurso entre não se sentir bem, até o ano seguinte ao acidente. Ela conta que começou a sentir muito calor enquanto conversava com um amigo e, de repente, a imagem dele congelou. Ela achou que fosse somente a queda de açúcar no sangue, e ainda pensou em comer uma banana. Tendo comentado o ocorrido, o colega se ofereceu para pegar-lhe uma cadeira. Não houve tempo para isso. Ela desmaiou.

O aneurisma cerebral é uma dilatação anormal de uma artéria do cérebro que pode levar à ruptura da mesma no local enfraquecido e dilatado. Trata-se de uma doença que pode se manifestar a qualquer tempo, e é mais frequente na quarta e quinta década da vida. Pode ser congênito, e somente se manifestar no futuro. Hereditariedade é um fator importante, e é mais comum entre as mulheres. Hipertensão arterial, doenças do colágeno, diabetes e tabagismo estão envolvidos em suas causas. Diferentemente do ocorrido com a modelo, os sintomas mais comuns são dor de cabeça forte acompanhada por vômitos, convulsões e perda da consciência. Pode ocorrer queda súbita da pálpebra e cefaleia, além de perda progressiva da visão. Com o passar do tempo, a dor pode se deslocar para a nuca, costas e pernas.

Enquanto aguardava socorro, Nancy retomou a consciência, mas não podia falar. Ela era capaz de sentir odores, reconhecia as vozes de todos, e seus filhos tentavam tranquilizá-la. Ela diz que até sentia vontade de ir ao banheiro, mas não conseguia expressar-se. Então, nova perda de sentidos, que só recobraram a caminho do hospital, quando um de seus filhos lhe tocou os braços. E aí sobrevieram os procedimentos de emergência, a tentativa de fazer uma Tomografia Computatorizada, apesar de agitação do momento. Um dos paramédicos decidiu que era preciso despi-la para facilitar o atendimento. E ela, sem poder falar, teve um chilique! O vestido era um belo exemplar de organza de Vera Wong. Seu filho, ao longe, disse:  “Oh, ela não vai gostar nada disso!”. Ela, nem imaginava o quanto tudo o que estava acontecendo era grave.

O tratamento, nesses casos, até o início da década de 1990, era cirúrgico, e consistia na abertura do crânio para bloqueio do aneurisma com clipes (grampos) metálicos. Mas nem sempre essa era a melhor opção para todos. De acordo com o estado de saúde do paciente e do local da lesão, a prática poderia ser perigosa. Hoje já existe nova técnica, a embolização por cateter (introdução de um cateter na artéria da virilha, que é levado até ao aneurisma para bloqueá-lo). Em alguns casos, não é possível esse procedimento e, então utiliza-se a solução clássica. Há ainda outro tratamento, o Onyx: trata-se de um líquido que se torna sólido no interior do aneurisma.

No caso de Nancy, entendi que ela passou por duas cirurgias. Tiveram que abrir seu crânio, mas também usaram o cateter. Durante a recuperação imediata da intervenção, os médicos lhe faziam perguntas básicas para avaliar seu estado geral. “Qual é o seu nome? Em que ano estamos?”. Até que alguém perguntou – “Você sabe porque você está aqui?”. E ela conseguiu falar: “Uma má lipo?”. Todos deram risada. Superada a crise, as brincadeiras dos amigos giravam em torno de mensagens dizendo – “É terrível que isso tenha acontecido, mas agora, ao menos, sabemos que ela tem um cérebro!”.

Após toda essa experiência, Nancy declara que nunca voltará a ser a mesma. E as sequelas foram várias. Uma delas é não ser capaz de ler a própria letra. Ela continua trabalhando, mas não como antes, de forma obsessiva. “Eu entendi que meu aneurisma foi um presente de muitas maneiras. Aprendi a viver por ter quase morrido… E aprendi muitas coisas sobre mim mesma. E eu não sei se voltarei ao normal – e essa é uma nova normalidade, um eu diferente. 2010 foi o ano da recuperação e do redescobrimento. 2011 é sobre viver”.

Pradas e vestidos Vera Wong são o objeto de desejo de muitas mulheres. Coisas deste mundo que existem para que possamos exercitar nossa capacidade de admirar o belo. Trata-se de produções humanas que desejam imitar a beleza da natureza em suas cores, texturas. E tudo nos dá um imenso prazer. Além disso, na idade adulta, ansiar por essas coisas materiais nada difere dos momentos em que, na infância, esperávamos um brinquedo novo no Natal. Na verdade, pouca importa se as teremos ou não. Todo mundo tem o direito de sonhar.