Na ferramenta de busca deste Blog, frequentemente encontro pesquisas por informações sobre ser ou não ser médico. E eu sempre me pergunto: quem são essas pessoas? Seriam estudantes que utilizam a Internet como uma espécie de oráculo? Ou essa pergunta expressa alguma crise instalada em médicos acometidos pela exaustão?
Ao longo dos anos, essa profissão tem garantido bons salários, autonomia, respeito da comunidade. Mas parece que esse perfil está mudando. Uma reportagem publicada na revista Forbes em 2008 mostrou que, nos próximos 15 anos, os Estados Unidos enfrentarão uma crise pela falta de 90 a 200 mil médicos. Lá, as razões para isso seriam os altos custos dos seguros para a proteção da mala praxis, ou eventuais erros médicos que requerem indenização. A previsão dos americanos é que esse quadro causará maior espera por uma consulta, bem como resultará em honorários mais caros.
Entre as mulheres, a decisão de ser ou não ser médica pode causar uma forte angústia. Durante toda a juventude, elas estarão tentando descobrir a receita para manter o equilíbrio entre seguir a carreira e construir uma família. E isso enfrentando uma maratona que exige, no mínimo, 60 horas de trabalho por semana.
Do outro lado, estão os pacientes. Seja em consultórios elegantes, seja na rede de serviços públicos, devem esperar atrasos de, no mínimo, 45 minutos quando chega o dia de sua consulta. Ao contrário do que pensam, isso não acontece porque os médicos estão praticando um esporte caro, ou dirigindo um carro importado em algum lugar da cidade. A verdade é que eles estão sempre ocupados com algum outro paciente. Já dissemos aqui que a frustração é recíproca. Médicos que depois de 10, 11 anos de estudo, veem-se diante de uma realidade muito diferente daquele ideal dos primeiros anos de faculdade. Pacientes que, fragilizados, esperam atenção, cuidado, mas muitas vezes mal conseguem expressar seus próprios sintomas.
A crise se instala. E, diante dela, a realidade precisa ser enfrentada. Apesar do grande investimento de vida e econômico para se tornar um médico, este deve aprender na escola de medicina que ele também é um ser humano. Portanto, ele precisa de vigilância e tratamento contínuos para poder fazer o que se espera que os médicos façam: ouvir seus pacientes, investigar suas queixas e buscar saídas para que a qualidade de vida dessas pessoas seja alçada a um patamar de dignidade. Isso parece ser uma condição sem a qual não é possível ser um bom profissional. E pressupõe que o médico seja estimulado ao auto-conhecimento e ainda esteja disponível para assimilar o fato de que, cada paciente, rico ou pobre, tem algo para lhe ensinar. Na prática médica, e na vida.
Ouvi esta semana uma fala do cirurgião Paulo de Tarso Lima, do Hospital Albert Einstein, que o objetivo de rehabilitar um paciente é fazê-lo re-habitar seu corpo. Tomar posse dele para fazer o que for necessário para a melhora de sua saúde. Penso que, para os médicos, essa é a premissa que deve nortear suas próprias vidas. Como podem “curar” doentes, se são incapazes de fazê-lo em relação a si mesmos?
As escolas precisam ensinar-lhes a prática da humildade. Ao invés das ideias mágicas e onipotentes, a verdade de que não podem saber e fazer tudo, e que precisam dos outros. O trabalho e a vida de médico é difícil. Decisões de vida ou morte fazem parte da rotina diária. Mas como observou Lima, “até a morte nos ensina a viver”.
A medicina não é fim. É meio. E não só para os pacientes. Para os médicos, essa profissão pode ser uma grande possibilidade de se tornarem seres humanos melhores.
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agosto 17, 2010 at 12:24 pm
Maravilha! Que bem escrito! É um prazer ler um texto assim!
setembro 3, 2010 at 4:33 pm
Cris
Parabéns! Vc conseguiu traduzir em poucas palavras a queixa de muitas pessoas, inclusive as minhas.
Fui diagnosticada a semana passada de arterite temporal e posteriormente comprovou ser um diagnóstico errado. Quase morri do diagnóstico. Se não fosse da área, e fosse atrás de pesquisas, teria entrado em parafuso.
Bjs, mais uma vez parabéns
setembro 18, 2010 at 4:03 pm
É muito bom saber que ser médica é a melhor coisa do mundo. Eu pretendo ser a melhor médica do mundo, tchau! MARIANA.
maio 2, 2011 at 4:48 am
Parabéns pelo texto. Sou estudante de Medicina e várias vezes já pensei em desistir porque me considero humana demais pra isso. Humana no sentido de conhecer minhas limitações e saber que não quero “morrer” em vida pra salvar a vida de ng. Muitas pessoas pintam por ai que o medico nao dorme, nao convive com a família e vive em restrição social a fim de zelar a vida do paciente e isso me assusta. Se salvar a vida de pessoas significar destruir a minha, eu prefiro fazer outra coisa, pois se depender disso vou ser uma profissional mediocre. Acho muitos estudantes e medicos extremamente egocentricos e se matam pelos outroas a fim de reconhecimento. Eu adoro a medicina, quero salvar vidas sim, mas tambem quero ter a humildade de viver a que Deus me deu com qualidade.
Acho esse papo de que medico tem que considerar a vida do outro mais importante do que a sua propria uma baboseira. O medico tem é que ter qualidade de vida pra no minimo tratar bem de seus pacientes, fazer seu trabalho com gosto.
Essa é mina opiniao, um pouco revoltada e assustada com a incapacidade do ser humano medico reconhecer que é ser humano.
setembro 3, 2011 at 10:03 pm
Muito bacana seu texto. Estou no meu último ano de Enfermagem, e ano que vem pretendo entrar em medicina, vamos ver o que rola 🙂
Parabéns mais uma vez!
maio 15, 2012 at 12:57 am
Muito bom o texto!
outubro 26, 2012 at 7:16 pm
Responde muita coisa..